Alguns ficaram totalmente paralisados. Sua batalha é contra a doença e a falta de recursos públicos para dar assistência a vítimas do zika. Em janeiro, o hospital atendeu outros dez casos, de pacientes menos graves e que já receberam alta.
Normalmente, não costuma receber mais de cinco por ano. A correlação entre o zika e distúrbios neurológicos, como a síndrome de Guillain-Barré, está entre os motivos de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter decretado a emergência internacional. Embora só uma parcela pequena de pessoas com zika apresente distúrbios neurológicos, estes chamam atenção pela gravidade. Cientistas não sabem se condições preexistentes dos pacientes, como doenças autoimunes e uso de corticoides, poderiam ter ligação com o problema. Tampouco se haveria predisposição genética.
ESPECIALISTA ESTÁ ALARMADO
No Antônio Pedro, que, como tantos outros, sofre com a falta de recursos, funciona um laboratório de referência para doenças do sistema nervoso periférico na América Latina, como a síndrome de Guillain-Barré. Há especialistas altamente capacitados. Sobram pacientes. E faltam remédios e equipamentos. À frente do atendimento e das pesquisas sobre a relação entre zika e Guillain-Barré está o professor titular e coordenador de pesquisa e pós-graduação em Neurologia da UFF, Osvaldo Nascimento. Ele tem trocado informações com médicos que atendem vítimas de Guillain-Barré em Pernambuco e Rio Grande do Norte, e está alarmado.
— Temos visto que os casos associados ao zika parecem ser mais severos, com lesão dos axônios (prolongamentos dos neurônios que conduzem impulsos nervosos), do que os casos clássicos de Guillain-Barré. Além disso, o número de doentes que chegam a nós aumentou muito. Só em janeiro foram seis casos graves e outros dez com sintomas menos severos, que não necessitaram de internação — afirma Nascimento, que preside o segmento da Academia Brasileira de Neurologia no Rio.
Nascimento está entre os quase 400 pesquisadores que se uniram, na quinta-feira, à rede de pesquisa de zika, dengue e chicungunha criada pela Faperj para estimular e acelerar a luta contra a epidemia causada pelo Aedes aegypti.
— Sabemos ainda muito pouco sobre como zika causa a Guillain-Barré. E tampouco o motivo de certas pessoas apresentarem a forma branda ou assintomática de zika e outras evoluírem para um quadro tão grave. Tampouco sabemos por que a doença parece evoluir de forma diferente. São quadros distintos daqueles que costumamos ver com Guillain-Barré, na qual 20% evoluem com gravidade e 5% chegam a óbito, mas acontece apenas entre 0,5 e 4 pessoas num grupo de 100.000 habitantes. O que é raro está se tornando, neste surto de infecção pelo zika, frequente. Esperamos que a rede de pesquisa nos ajude a ter mais recursos e acelerar os estudos. É uma urgência — diz o médico.
Entre os casos mais severos que Nascimento menciona está o de um jovem completamente paralisado, que respira com a ajuda de aparelhos. Ele está consciente, mas consegue mexer apenas os olhos para se comunicar.
— É muito desesperador ver casos como esse. E temos mais um paciente na mesma situação, uma mulher. Jovens pais e mães de família são tirados de suas casas, de seus empregos por uma doença que poderia não ter acontecido, se não fosse a disseminação do vírus — frisa Nascimento.
Em alguns pacientes com zika, a Guillain-Barré compromete o sistema nervoso central, o que não costuma ser visto normalmente nesta síndrome. O tratamento desses pacientes é muito caro. E médicos como Nascimento se preocupam em como continuarão a poder atendê-los. Eles precisam de imunoglobulina e plasmaferese.
— Só o custo por dia da UTI por paciente é de cerca de R$ 10 mil. Se você incluir os remédios, chegamos à casa dos R$ 50 mil por paciente em UTI por dia. É preciso uma ação urgente de autoridades municipais, estaduais e federais. Dos 18 leitos da UTI apenas oito são viáveis, todos ocupados com doentes graves. Se vier mais um, não podemos atender.
A situação de falta de recursos para a Saúde atinge em cheio as vítimas do zika. E recuperar um paciente na UTI é só a primeira parte do drama. As sequelas costumam ser graves; muitas vezes, a reabilitação leva anos e demanda assistência altamente especializada.
— Não temos como oferecer isso. Mas temos na UTI do hospital pacientes com esclerose lateral amiotrófica, uma doença paralisante, que estão internados há anos — lamenta o médico.
FONTE: O Globo
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