segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Pesquisadores acham vírus zika em cérebro de bebês

“O zika nas Américas é uma história em desenvolvimento”, diz o virologista Amílcar Tanuri, da UFRJ, um dos maiores especialistas em genética de vírus do Brasil. É uma história triste. Faz parte dela a descoberta no fim de semana do zika no cérebro de dois bebês, um deles com microcefalia e o outro com uma devastadora malformação cerebral. Eles morreram logo após nascer. Foram infectados quando as mães estavam por volta da 18ª semana de gestação. E o vírus permaneceu com eles o tempo todo até o nascimento.



Essa é a primeira vez que se mostra o impacto direto do zika sobre o cérebro de bebês no Brasil, o que reforça a tese de problemas congênitos registrados em bebês de mães que tiveram a doença. A pesquisa toda desenvolvida aqui é básica para descobrir como o vírus causa danos e, assim, poder combatê-lo. O poder do zika se alimenta, em parte, do desconhecimento. Ninguém sabe como um micro-organismo sem importância se transformou num inimigo letal.

— Pobres desses bebês — lamenta Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ.


Estudo pioneiro

A gestação das crianças foi acompanhada pela obstetra e cientista Adriana Melo, do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto, em Campina Grande, na Paraíba. Ela agradece às mães.

— Não pudemos fazer nada pelos filhos delas. A medicina não tem ainda como oferecer ajuda. Essas moças tiveram zika. Souberam que os fetos tinham sido atingidos. E perderam suas crianças. Essas mulheres tiveram uma grandeza enorme. Doaram os filhos para que outras mães do Brasil não sofressem o que elas e seus bebês sofreram – afirma Adriana.

As moças voltaram para suas casas em municípios pobres do sertão da Paraíba, onde o mosquito continua a infestar as valas de esgoto a céu aberto.



O estudo pioneiro ainda está em curso. É realizado pelo grupo integrado por Adriana Melo; Amílcar Tanuri; Patrícia Garcez, do Laboratório de Neuroplasticidade da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino; Ana Bispo, do Laboratório de Flavivírus da Fiocruz; e Lorraine Campanati de Andrade, do Laboratório de Morfogênese Celular da UFRJ.

Tanuri supõe que uma das chaves para o zika afetar tecidos dos fetos e continuar ativo nos bebês até o nascimento é um mecanismo que a ciência chama de reativação.

A gestante contrai o zika e ele não só atravessa a placenta e chega ao feto, quanto se oculta nas células de mãe e filho. Semanas após a manifestação dos primeiros sintomas, como dores e erupções na pele, a mãe sente “a volta do zika”. Tem de novo dores e outros sintomas. Algumas das mães de bebês com microcefalia relataram ter tido zika duas vezes. O pesquisador observa que, mesmo que a mãe não apresente sintomas de “uma segunda zika”, o feto pode continuar a sofrer.

— Não acredito em reinfecção, isto é, que alguém contraia a infecção pelo vírus duas vezes. O mais provável é que o zika fique o tempo todo lá e seja reativado após algum tempo. Como ele faz isso, ainda não sabemos, mas corremos contra o relógio para descobrir. Essa reativação pode explicar os extensos danos neurológicos e em outros tecidos do corpo que temos visto em fetos — salienta Tanuri.



A urgência dá o ritmo do trabalho dos cientistas, que têm passado noites em claro, sem descanso. A neurocientista Patrícia Garcez, uma das raras especialistas em microcefalia do país, não poupou esforços em sentido literal. Foi buscar na quinta-feira em Campina Grande as amostras de tecidos dos bebês doados pelas mães à pesquisa. Chegou de tarde à Paraíba e na manhã seguinte já estava em seu laboratório no Rio.

— Compreender a relação entre o zika e os distúrbios neurológicos é algo extremamente complexo. Demanda muito estudo e estudos que costumam ser demorados. Mas o zika é uma emergência. Então, desafiamos o tempo — diz ela.

Tanuri salienta que investigar a possível capacidade de reativação do zika é uma das emergências:

— A reativação pode estar associada aos quadros graves vistos em fetos e adultos. Precisamos estudar muitos aspectos imunológicos da infecção. Isso pode ajudar a explicar o porquê de só algumas pessoas apresentarem complicações e também ser a base para o desenvolvimento de uma vacina eficiente.



Uma das hipóteses para o fato de que poucas pessoas apresentam complicações seria a existência de uma vulnerabilidade genética individual. Esse mecanismo é frequente em infecções por vírus em geral. Tanuri propõe uma mudança no paradigma de estudo do zika:

— Comparar o zika aos vírus da dengue é um erro. O meio de transmissão é o mesmo, os mosquitos Aedes. Mas se queremos usar outros vírus para comparar o zika estes devem ser o da febre do oeste do Nilo e o da encefalite japonesa (JEV). Provocam complicações mais parecidas com as do zika, como casos diferentes de síndrome de Guillan-Barré e encefalites em adultos. E, em bebês, convulsões e paralisia periférica. Além de malformações congênitas que vão além da microcefalia, como as observadas na Paraíba.

O cientista enfatiza também a importância de pesquisadores do Brasil trocarem informações não apenas entre si, mas com toda a comunidade científica internacional:

— Temos que trocar amostras, informações e ideias. Há uma emergência internacional e não podemos procrastinar ações firmes — salienta.


Danos graves para minoria

Nunca um vírus foi tão intensamente estudado em tão pouco tempo quanto o zika. Mais do que o número de infectados, pesa sobre a emergência internacional o fato de ele estar associado a casos de microcefalia, de outras malformações em fetos, de síndrome de Guillan-Barré e de encefalite em adultos.

Já se observa que, como outros vírus, o zika não causa doença na maioria dos infectados. Se estima que mais de 80% não apresentam sintoma algum. E destes só um percentual muito pequeno sofre complicações realmente severas. Mas, como a minoria tem sinais severos, não existe espaço para dar trégua no combate ao vírus e ao mosquito.

As dúvidas excedem por larga margem o que se sabe. Não é trivial obter a prova definitiva da relação de causa e efeito entre o zika e todas essas complicações. Vírus são organismos simples, capazes de deflagrar mecanismos complexos no corpo.



Porém, já existem, sim, provas da presença do zika em tecidos do cérebro e de outras partes do corpo de fetos e de bebês mortos devido a malformações severas. O estudo com os bebês da Paraíba mostra isso.

Na semana passada, cientistas eslovenos publicaram na revista “New England Journal of Medicine” a análise de um feto com microcefalia abortado no final da gravidez por sua mãe, uma eslovena que contraiu zika em Natal (RN). Ali ficou clara a proliferação do vírus pelo cérebro.

Alguns cientistas acreditam que o zika não é a causa dos problemas. Ele poderia estar associado a outros vírus, que não foram identificados no caso esloveno.

Os pesquisadores fizeram testes para identificar nos tecidos do feto inúmeros outros vírus, desde dengue e febre amarela até citomegalovírus e o parasita da toxoplasmose. Nenhum deles estava lá.

Outra hipótese é que fatores ambientais tornem certas pessoas mais vulneráveis. Mas também não há provas. Virologistas, como Amílcar Tanuri, supõem a relevância dos fatores genéticos.

— Como em outras infecções congênitas, nem todas as mães expostas ao vírus o transmitem para o feto. E esse é o caso do zika. Mas, infelizmente, ainda não sabemos com que taxa isso acontece e que características genéticas do vírus e do bebê podem influenciar o risco — explica ele.

Tanuri salienta que o fato de médicos colombianos não encontrarem casos de microcefalia associada ao zika pode ser menos importante do que estudar o impacto futuro do zika em recém-nascidos.

— Quando um novo vírus se espalha numa população, seus efeitos podem variar.

Tais variações genéticas podem ser o motivo para os casos de complicações em adultos. Tudo isso, porém, está à espera de respostas, que os cientistas buscam desesperadamente responder.


FONTE: O Globo

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