domingo, 28 de agosto de 2016

Maiores de 60 anos terão que trabalhar com a Reforma da Previdência

Uma das bandeiras do presidente interino, Michel Temer, a reforma da Previdência promete trazer mudanças não apenas na aposentadoria e nas contas públicas, como no mercado de trabalho e no dia a dia das famílias. Especialistas afirmam que a discussão, adiada durante anos pela sociedade brasileira, tornou-se inevitável. Neste cenário, um dos principais desafios a superar é a dificuldade de inserção no mercado de trabalho de quem passou dos 60 anos, já que a proposta em discussão no governo é fixar uma idade mínima para a aposentadoria aos 65.



Hoje, o número de trabalhadores com mais de 60 anos no país chega a 6,48 milhões, de uma população ocupada total de 90,70 milhões. Porém, mais da metade dos que têm 60 anos ou mais está trabalhando ou por conta própria (46,6% do total) ou como empregador (8,8%). As vagas com carteira estão disponíveis para apenas 15,7%. Na média dos trabalhadores brasileiros, as estatísticas são bem diferentes: 37,9% têm o trabalho protegido, com carteira assinada.

As razões para esse descompasso, segundo especialistas, vão desde o preconceito até o fato de que o trabalhador mais experiente, em geral, tem salário maior que os demais.

— O mercado de trabalho é violento, exigente em aparência e em idade. Já o trabalhador por conta própria faz seu próprio empreendimento, por opção ou não — explica o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.


REQUALIFICAÇÃO E TREINAMENTO

Hoje, no setor privado, não há idade mínima para a aposentadoria. O brasileiro pode requerer o benefício com 30 anos de contribuição (mulheres) e 35 (homens). Para não ter aplicação do fator previdenciário, é necessário que a soma de idade mais tempo de contribuição seja de 85 anos (mulheres) e 95 (homens). Na prática, a média de idade das pessoas que se aposentam por tempo de contribuição fica abaixo dos 60 anos. Em 2015, foi de 54,7 anos. A outra alternativa é a aposentadoria por idade, de 60 anos (mulheres) e 65 (homens), desde que tenham contribuído por pelo menos 15 anos. A proposta em discussão no governo, que ainda será apresentada ao Congresso, é adotar idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. O valor do benefício vai variar de acordo com o tempo de contribuição.



— A reforma da Previdência tem que acontecer, mas não pode vir sozinha. Não dá para fazer uma canetada, colocar 65 anos como mínimo para aposentar e virar a página. É preciso um pacote de medidas que amorteçam a mudança — diz a pesquisadora do Ipea Ana Amélia Camarano.

Políticas de requalificação profissional, com treinamento para atividades que exijam menos força física; de saúde ocupacional, especialmente em profissões com maior desgaste; e melhorias no transporte público, para reduzir o tempo de locomoção para o trabalho, são algumas das sugestões citadas por Ana Amélia.

Com 63 anos, o ajudante de peixaria do supermercado Extra Maracanã Manoel José Reis Filho reconhece o cansaço. Todos os dias, enfrenta cerca de duas horas para ir de ônibus de Olaria, onde mora, até o trabalho, e outras duas horas na volta. Ele já trabalhou em manutenção de avião, como segurança e com frete. Há quase cinco anos, conseguiu a oportunidade no varejo, que exige o trabalho nos fins de semana.

— Não sou mais como era aos 18 anos. O trabalho não é puxado, mas as pernas doem, e a gente vai ficando mais cansado. O corpo sente — diz Manoel, que só poderá se aposentar em dois anos.

Mesmo que a reforma da Previdência não saia do papel, as empresas terão de se adaptar a uma realidade na qual se começa a trabalhar mais tarde e a vida útil no trabalho é mais longa. Com a redução da taxa de natalidade e o ganho na renda, as famílias têm se esforçado para manter os jovens na escola, postergando a entrada no mercado. Com menos gente entrando no mercado, os mais velhos serão necessários para girar a economia.

— O mercado de trabalho também deve sofrer mutações para receber os novos atores de cabeça branca. É preciso ter políticas para qualificar o trabalhador, para ele não ser preterido lá na frente — afirma Cimar Azeredo.

A participação maior hoje dos trabalhadores por conta própria e dos empregadores entre quem tem mais de 60 está ligada ao preconceito, na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia, mas ele considera que a tendência é de mudança:

— Temos que deixar de olhar o idoso com postura de pena.

Hoje, a maior facilidade ou dificuldade de inserção das pessoas mais velhas no mercado de trabalho depende da área de atuação, segundo André Nolasco, diretor da empresa de recrutamento e seleção Michael Page no Rio. Nas áreas de conhecimento mais técnico, como indústria naval e engenharias de forma geral, há menos resistência. Boas também são as chances de empregabilidade no meio jurídico e no acadêmico.

— Em áreas técnicas, o conhecimento acumulado conta, pois o ritmo de mudança do conhecimento é menor. Em áreas como tecnologia da informação, por outro lado, o conhecimento é perecível, devido à rapidez com que as tecnologias mudam — diz Nolasco.


EFEITO MAIOR NA ALTA RENDA

Mesmo nas áreas com mais potencial, no entanto, aparecem dificuldades, como ilustra a situação do engenheiro mecânico Denylson Salata, 55 anos. A multinacional do setor de petróleo em que trabalhava fechou as portas no Brasil em setembro. Nesses 11 meses, Salata fez cinco entrevistas de emprego e perdeu a conta de quantos e-mails disparou com seu currículo.



Sem resposta, decidiu se aventurar numa missão da ONG Médicos Sem Fronteira. Na última sexta-feira, embarcou para Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, onde assumirá o cargo de gerente de suprimentos da ONG no país. Ficará por lá por pelo menos quatro meses, deixando para trás mulher e dois filhos. No período, receberá uma ajuda de custos que não chega aos pés do salário que tinha no Brasil.

— Não tenho dúvida de que a idade avançada é critério de desempate e que eu fiquei para trás na corrida — diz Salata. — Será uma boa experiência no Congo, mas não sei o que acontecerá depois.

Caso não encontre emprego no Brasil, Salata se verá “obrigado” a se aposentar, para não depender apenas de suas aplicações financeiras. Ele pode requerer o benefício em março do ano que vem, quando terá 35 anos de contribuição. Mas, com apenas 56 anos, assumirá 30% de perda no valor do benefício.

Na avaliação de Rogério Nagamine Costanzi, coordenador de Previdência do Ipea, o impacto da criação de uma idade mínima vai atingir os mais bem qualificados e de maior renda:

— O grupo que será mais afetado é o das pessoas com mais qualificação, maior renda, trajetória laboral estável e que, na prática, continuam trabalhando após se aposentarem. São os que têm mais facilidade de inserção no mercado. Isso atenuaria o impacto da reforma.

Professor da Ebape/FGV, Kaizô Iwakawi Beltrão destaca que o fato de uma parcela grande dos trabalhadores permanecer no mercado mesmo depois de se aposentar minimiza a necessidade de políticas compensatórias. Quase metade (45,5%) dos homens aposentados entre 60 e 64 anos continua trabalhando, enquanto na faixa de 65 a 69 anos esse percentual é de 38,1%.

— Já existe algum mercado de trabalho para aqueles mais velhos, talvez não para todos os grupos. Não acho que uma reforma da Previdência crie a necessidade de políticas.


FONTE: O Globo

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